terça-feira, 26 de abril de 2011

De saltos altos- revisto




Ela passa uma, duas, três vezes na calçada em frente. Quem a vê pensa que é louca. Pisa firme com os saltos altos. O toc toc a denuncia. Traz algo nas mãos, de longe parece um terço, mas não é, conheço bem aquele cordão, ela não o larga, diz que dá sorte. Olha alternadamente para a casa e para o fim da rua. Pensa que ainda não cheguei. Há quase uma hora está ali, andando de um lado para o outro- impaciente. Conheço esta impaciência, ela quer me pegar de surpresa, está com o discurso pronto, adivinho o que diria se abrisse a porta ou me vislumbrasse atrás da cortina:
- Seu cretino, filho da puta, como foi sair com ela? Eu pedi tanto que se afastasse daquela vagabunda!
Logo a raiva se dissiparia, basta fixar bem os olhos nos olhos dela e sorrir. Ela desmonta, vem correndo para meus braços, chora, me faz jurar que nunca mais a farei sofrer. Não digo nada, não posso lhe dizer que também amo a outra.
Vejo suas belas pernas cobertas por meias pretas. “Só uso meias pretas.”
Sei que se abrir a porta, beijarei aquele rosto até que ela sorria: “Você é um cretino”, dirá sorrindo entre um suspiro e outro, minhas mãos deslizando nas coxas lisas, seda pura. Ela estará exausta de tanto esperar, serei eu o condutor, não pedirá nada, se entregará como sempre, como se fosse a última.
Ela sabe que pode estar certa.

No beco/ sem revisão

Ele estaciona o carro num beco escuro.
Diz: “Deixa, deixa, quero te ver nua”...
Ela reluta, sabe pouco dele. Ele insiste beijando sua nuca, sua boca. Sussurra:
- “Quero tanto te tocar nua”...
Ele abre sua blusa, beija seu colo, com a boca tira os seios para fora e beija seus mamilos até que, num frêmito, ela goza envergonhada.
Desce na esquina de casa. Enquanto ajeita a roupa fita os olhos dele, percebe que a partir dali é sua presa.

sábado, 16 de abril de 2011

Na vitrine

Com o coração descompassado atravessou a rua correndo. O motorista do táxi freou, buzinou irritado. Era ele do outro lado da rua, sabia. Vestia uma camisa xadrez por dentro da calça e cinto de couro. “Está diferente, mas é ele”. Temia que desaparecesse. Estava diante de uma vitrine. Tocou levemente o seu braço. Ele virou-se, disse desconcertado:
- "Minha mulher está ai dentro, não posso falar com você". Virou-se e dirigiu-se à porta.
Parada na vitrine não o via. Não via nada.
Saiu, caminhar lento, esbarrando nas pessoas, lágrimas vertiam.
Na esquina, parada no meio fio, alguém lhe perguntou se precisava de ajuda.
- “Não obrigada”, acredita ter dito. Não queria mais nada.
Tempo interminável até se jogar no sofá aos prantos. Pensava no porquê do gesto, tantos meses se passaram...
Estava bonito e bem cuidado. Adivinha uma jovem ao seu lado que o obriga a se cuidar. Ela não saberia dizer: "Não beba mais por hoje". Bebiam juntos, se amavam embriagados, jurando amor eterno.
Viu na cristaleira a garrafa de whisky, intocada, deixada por ele.
Deixou-se estar no sofá até que o cão viesse, esfomeado, pedir para que lhe desse de comer.
Ela não precisaria comer estes dias, sabia.

Fala vazia

Na hora marcada dei dois toques na porta e abri. Estava sentado numa poltrona bege, me olhou meio de lado, olhos curiosos, leve sorriso- eu já conhecia este sorriso. Os olhos rápidos me desnudaram em segundos, fiquei paralisada com a mão na maçaneta da porta. Esperei que dissesse: ”Entre”.
Vestia camisa azul, os cabelos mais brancos. Era a primeira vez que me via. Levantou, me deu dois beijinhos atrapalhados na face, e indicou-me a outra poltrona onde sentei. O envelope que eu trazia caiu, nos abaixamos juntos para pegar.
Eu disse: ”Trouxe para você, espero que goste”.
- “É muito bom o seu traço, obrigado. Como foi a viagem?”
Desandei a falar, queria preencher este espaço de tempo, nós dois sabíamos o que viria depois.
Eu falava, ele parecia não ouvir, olhava meu rosto, minha boca, os olhos desenhavam meus traços. Eu não conseguia me concentrar no seu rosto, tão confusa me sentia. Percebeu que me perdia e sorriu da minha fala vazia.
Levantou-se, parou à minha frente, estendeu as mãos e disse:
- Levante-se.
Obedeci.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ele sabia






Ele sabia, desde o primeiro dia, ela não, que a faria sofrer.
A transparência dela o cativara, o amor excessivo causava-lhe náuseas.
Um dia ela veio, os olhos vermelhos de choro. Ele não lhe sorriu como sempre. Observou-a em silêncio. Vestia preto, mantinha a postura elegante. De costas, olhava a janela. Ele a abraçou levantando o vestido, esfregando as mãos grandes em seus seios, o pênis duro em suas coxas. Virou-a num gesto brusco. Ajoelhou-se tirando a meia calça preta. Jogou-a no sofá, mordeu seus mamilos. Ela gemeu de dor. Penetrou-a fundo num ritmo intenso.
Ela disse: "Pare, está doendo".
Ele não a ouviu. Gozou espargindo sobre ela o sêmen.
Depois daquela tarde ela não chorou mais. Não mais voltou.
Agora ela também sabia.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Holofotes





Naquela tarde havia um movimento diferente no portão. De longe notou que eram da imprensa. Não sentiu medo, nem susto, apenas surpresa.
Cumprimentou um estranho que fumava na varanda e foi entrando na casa, tão conhecida, como uma intrusa. Ele estava no escritório, sob holofotes. Um repórter o entrevistava. Esgueirou-se entre fios, recostando-se na parede lateral. Mal o via. Ouviu quando disse que lançaria em breve um livro, uma novela, um diretor amigo encomendara. Será filmada no próximo ano, disse.
Suas palavras a atingiram como lanças.
Por que não lhe contou? "Ficarei em silêncio estes dias, não estranhe". Como sempre, não o questionara.
Quanto dela estaria no livro? Sentiu um calafrio.
Não esperou a entrevista acabar. Anoitecia, a casa estava escura, acendeu apenas o abajur da sala. Parou na porta, olhou a sala, pousou os olhos em cada objeto, tudo ali tinha uma história. Pegou um ex-voto, guardou no bolso- ele saberia que foi ela quem levou.
Despediu-se de Zampanô, o vira latas, que a acompanhou até o portão. Sentiria sua falta.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Suíte número um

Ficou encantada ao se ver no espelho com o vestido da patroa.
Dançou pela suíte.
Com a tesoura fez pequenos cortes nas roupas penduradas.
Ao bater a porta, sabia que não haveria retorno.