sábado, 21 de agosto de 2010

Mini conto: A viagem II



A viagem



Entrou no ônibus batendo as bolsas nas poltronas. Seu lugar estava ocupado. Uma mulher pediu que trocasse com ela- queria ficar ao lado do marido. Concordou, e voltou buscando seu assento. Um homem, de cabelo gris, a olhou curioso, levantou-se e a ajudou a acomodar-se. Era seu vizinho de banco.

Ela abriu o jornal e lhe ofereceu. Passaram a comentar as notícias. Pode, então, ver o rosto dele- olhos pequenos e penetrantes, nariz reto, boca bem desenhada, um sorriso maroto. Usava um pulôver de gola alta. Fazia frio. Sentiu-se perturbada. Olhou a janela, passavam por uma pequena serra.

Pensou que o destino o enviara e que poderia se enamorar por aquele rosto. Com voz grave, mais baixa, comentou que curvas a lembravam as Serras da infância, o pai dirigindo o Chevrolet preto a caminho do mar.

Um longo silêncio e pode sentir o calor do corpo dele. Retraiu-se.

Perguntou como foi ele, menino. Tinha recordações semelhantes, apenas as cidades eram outras. Os pais militares, as mães católicas, os colégios rígidos.

Desejou saber mais- se ele era casado. Não ousou- adivinhou.

Ela lhe contou do ex marido, dos filhos, das idas e vindas para trabalhar. Ele a ouvia atento, os olhos a perscrutarem seu rosto. Disse: Você tem um belo rosto de mulher madura, e fica muito bem de preto. Ela disse que aquela era sua cor preferida.

Em silêncio pensou na confusão ao se vestir, na sorte de ter usado aquela blusa..

O ônibus chegou ao seu destino, trocaram telefones.

Há um mês ela aguarda os olhos dele. Conforta-se ouvindo a voz doce a dizer-lhe que é bela. Talvez numa outra viagem...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Micros Twitter

Mais micros postados no Twitter com o #ETC_BIENAL


Exausta, a cabeça confusa, ela resiste diante da tela. A cama esticada, a lua na moldura... Foge.



De manhã o vento aflige- é louca varrida. À tarde, sonada. Ao entardecer, acalma. À noite, é paz, monja. Nada a desejar.



A voz dele a acordou. Levantou, ajeitou o cabelo. O ruído da janela trouxe o seu olhar doce.Nada disseram. Não precisava.Sabia que teriam um bom dia.



Via-a com outro na arquibancada. Subiu para o trapézio despedindo-se solene. Apenas ela saberia que o salto mortal foi por ela.



Despertou, pensou nele. Dói o estômago- fome. Queria não levantar. Queria que o corpo não o desejasse. Ou não desejasse, simplesmente.



Ela diz: Casa comigo? Ele responde: “É preciso pensar muito”. Surpresa, ela voltou a sonhar com um amor.



Ela diz: Vamos tomar um café qualquer dia? Sim, este fim de semana. Ela aguarda. Nunca mais se falaram. O telefone permanece mudo.



O olhar dele perpassa estranhos, como um feixe de luz, a desperta.



Semi- desperta o sol aquece suas costas, vira-se, deseja-o em seu ventre. Ele se esconde.



O sol invade sua cama. Abre-se desejando amor. Uma nuvem vem e o encobre.



Meus olhos do asfalto alcançaram o mar, também cinza. À frente, uma mancha vermelha e uma moto no chão. Foi sua última viagem.



Falava sem parar, indignada. Ele fixa os olhos em sua boca, sem ouvi-la. Num gesto rápido, coloca a mão entre suas coxas. Ela se cala.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Concurso de Microcontos





Há um concurso de micros no Twitter,
é preciso colocar
#ETC_BIENAL
no final.



Aqui estão alguns:



Penso: basta! O carteiro entrega um pacote. Dentro dizia: "lembrei de você". O livro: “Paixão-oãxiaP”. Devoro - o livro, claro.


Ouço passos, não me volto. Espero as mãos cobrirem meus seios, a respiração aquecer minha nuca fria. Aos poucos me viro - ávida.



Penso há dias em esquecê-lo. Intrigada entro na casa iluminada. Ele sorrindo, taça na mão: “Estou à sua espera, querida”. Sempre surpreende.



Abriu a janela, deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Pensou nele. Esqueceu-se.


Semi-desperta, deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Tirou a roupa, lembrou dele. Não gemeu, chorou.


Deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Pensou nele. Abriu-se. Deixou que o sol a tomasse - plena.



Rubro e úmido, meu sexo aguarda o teu buscando outros sexos.



Quando a campainha tocou, enrolou-se na toalha. Molhou o chão frio. No olho mágico, ele ria abraçado à outra. Não abriu.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Teu corpo, pronto e belo, me faz desejar montar até a exaustão.



A mão na coxa me puxa, rude. Não há como dizer não.



"Eu te amo", diz. Teus olhos negam. Minha mão constrita te afasta.



Escuto passos, não me volto. Tuas mãos, taças, aquecem meus seios.



Te encontro pronto, teus pés em oferenda. Lírios brancos. (baseado no livro de Raduan Nassar "Um copo de cólera").



Arranhado diz, rindo: “foi você". Amanhã não rirá lanhado por mim.



Não vi quando ele saiu sem se despedir. A lua lá fora brinca entre nuvens de chuva fina. Aqui dentro, silencio sem dor.



Vão-se os amores, em mim fica a calidez de suas mãos no meu corpo, antes frio e seco.



Vou deitar, não há rio no meu leito.



Quis fazer das pernas tesouras- cortar- tua força venceu.



Dói áspero teu sexo, me rasga.Finjo prazer para te esfaquear de costas.



Cerrei os olhos, úmida e quente, deixei que fosse até minh'alma.



Despertei suja de sêmen, corri a mão no lençol. Frio. Calafrio



Escondi a faca de cortar carne, esta seria sua última trepada.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Vi o pânico nos olhos, tomei seu corpo com mais desejo. Fundo.



Deu um grito gutural, da boca saia uma espuma branca. Era tarde.



Quando a onda me engoliu, pedi perdão, e não socorro.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Um sonho: voar. Um dia, subiu, pernas pesadas, até a cobertura. Partiu alada. Vestia camisola, fazia frio e era meio dia.



Tomava banho quando a campainha tocou. Enrolou-se na toalha. Molhou o chão frio. No olho mágico, ele ria abraçado à outra. Não abriu.



Sentiu a mão dele no joelho. Não se moveu. Vagou os olhos. Deixou que subisse mais. Ai fechou as pernas com força. Ele corou. 







No portão, o avô disse a seu pai: Você levou uma, trouxe três, leve as crianças. Mate-as, disse o pai. Última vez que o viu.