sábado, 25 de dezembro de 2010

Crônica: O dia em que meu filho me fez chorar



Aqui tem uma crônica minha sobre o Rio-Ipanema.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Miniconto: Nada além de boa noite



Ele ligou dizendo que não virá jantar, terá uma reunião de trabalho.
- “Ok. Vai chegar a que horas?”.
- “Assim que terminar a reunião, lá por dez horas, suponho”.
Não arrumei a mesa, como sempre, comi na cozinha. Antes de nos encontrarmos, eu lanchava à noite. Ele gosta de jantar, de um vinho.

Dez e meia e ele não chega. Não usa celular- odeia. Detesta falar ao telefone. Começo a ficar aflita. A cidade é perigosa.

Onze horas e ele não chega. Onze e dez: ele liga e diz que estão num bar comendo algo. Fico aliviada.

Resolvo deitar. Ele chega alta madrugada. Está trôpego, encontro-o na sala tirando os sapatos. Precisou sentar para não cair. Não é sempre que faz isto. Penso que felizmente não está dirigindo. Prefiro não dizer nada além de boa noite. Volto para a cama.

Minutos depois ele se joga ao meu lado sem usar o banheiro. Fico de costas. Ele me puxa, me vira, sinto o hálito de álcool. Tenho sono, quero dormir. Ele me beija e sobe sobre mim. Há meses não fazíamos sexo. Mesmo com sono me abro receptiva. Seu corpo está mais pesado. Não consegue se apoiar no braço.
Digo: “Está me machucando”.
Ele parece não ouvir. A ternura que tenho se esvai. Empurro-o com força, pego o pênis em ereção e aperto, agito, num sobe e desce, para facilitar. Ele joga-se para trás com prazer. Procuro olhar o sexo penetrando em mim- me dá prazer. A raiva desaparece. Quando ele está pronto me avisa: “Vem comigo”. Mentalizo o sexo em mim e gozo. Ele solta o corpo pesado.
Minutos depois ronca ao meu lado. Eu me levanto e me lavo.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Às quatro e dez- corrigido(hora)

Olhou o relógio atrás do balcão, três e meia, ele não viria mais. As mesas vazias, a tarde morna. O garçom, recostado no portal, olhava para ela e para a rua. Pediu uma água mineral. "Sem gelo, por favor", disse. Marcava quatro e cinco, quando entrou uma mulher. Escolheu a mesa do canto oposto, pendurou a bolsa na cadeira, enquanto sentava jogou o cabelo para trás. Rescendia a perfume.
Às quatro e dez, entrou um homem. Ela levantou-se, beijaram-se na boca. As roupas discretas contrastavam com as coloridas dela. Ele sentou, aproximou a cadeira, abraçou-a. Sorriam e beijavam-se. Os dois estavam com os lábios vermelhos e lambuzados de batom.
Os olhos da mulher que esperava turvaram. Disfarçou, abriu a bolsa, pegou o telefone- sem créditos- leu: “Querida, ainda estou na correria, mais tarde, passo na sua casa.”. Olhou para o garçom. Fingiu mandar uma mensagem.
Não viu quando anoiteceu, nem quando o casal saiu. O restaurante estava cheio quando sentiu a perna adormecida ao levantar-se.
Seguiu à direita em direção ao mar.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Fragmentos




Fragmento*

Na janela
                                                                                    
Menina paralisada, atrás do vidro, sofria.
Agora, abro o vidro. Jogo-me alada .



 A palavra

 “Coisa de prostituta! Faz engravidar!”. Ressoa nela a voz aguda da mãe.
Aos sete anos, mal entendia a fúria da mãe. Sentada de castigo na mesinha de cabeceira- pernas soltas no ar- chorava. Pouco depois seguiram para outra cidade.
Não virou puta. Do ventre, antes seco, pariu um dia um filho bastardo, num aborteiro. Sentiu alívio.


Confissão

Menina, uniforme azul e branco, sapatos apertados de verniz, atravessava a praça. A freira puxava a fila indiana de meninas silenciosas - olhos no chão.
“Eu pecador me confesso, eu pecador me confesso...”, ecoava em sua mente. Segurando o riso, contava os passos olhando a perna torta da menina da frente.
- Padre, quero me confessar.
- Quais os seus pecados, minha filha?
- Tive maus pensamentos.
 Urgia rezar mais.



O pai

Quando o pai mandou, aos gritos, que se vestissem e pegassem as roupas todas, ela não entendeu o que acontecia.
Caminharam em silêncio até o ônibus. A mãe chorava baixinho, cabeça baixa, mãos ocupadas por sacolas cheias.
Menina ainda, segurou firme a mão do irmão.
Desceram da condução com o pai quase os empurrando.
Na porta, o avô disse:
- Te entreguei um, você volta e são três. Fico com minha filha, você leva as crianças.
O pai responde:
 - Se não os quer, então os mate.
É a última lembrança que tem do pai.




Embaçado

No banheiro embaçado minha mãe me banhou. Esfregava meu corpo franzino com força. Chorava sem parar. "Lave bem aí embaixo, senão fica com mau cheiro", disse me entregando uma bucha. Esfreguei até doer. Chorei sob a água até ela me gritar: Saia dai, menina! Chega!

A primeira vez que fui para a cama com um homem, diante da minha dor, ele disse: "Precisa ir a um médico, está machucada, não é normal".
Em casa, tomei coragem e me olhei com um espelho. Desde então gosto de me tocar. 
Minha mãe me odiaria se me visse com um homem. Gosto de homens, deixo que me conduzam. Fecho os olhos e deixo que me amem.


No magazine

Fica encantada ao se ver no espelho com o vestido da loja.
Dança até cansar.
Com uma tesoura faz pequenos cortes nas roupas penduradas.
Ao bater a porta, sabia que não haveria retorno.


O jantar

Dormia quando ele chegou de madrugada. Da porta, disse: Anda, tenho fome. Sonada, levantou. Encheu a panela com água, colocou no fogão e voltou a cochilar enquanto fervia.
Ele a viu de bruços na mesa, pegou a lata de óleo e a despejou sobre sua cabeça.
- Sua vaca, levante!
Ela obedeceu em silêncio. Chorando baixinho entrou no chuveiro quente. Lembrou da mãe. Chorou, mais ainda. Levou tempo para tirar o óleo, o ódio e o medo.
Quando saiu, ele já havia comido. Estava à sua espera, pronto.
Acordou às quatro, ele ressonava de boca aberta. “Desgraçado”.
Antes das cinco estava pronta. Mochila segurando a porta da rua entreaberta. Faca na mão.
Ela saiu de óculos escuros - amanhecia.

*Este conto enviei para o concurso Off-FLIP- nada :( enfim, é assim, não é?








sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Miniconto: Eu?




-Você me exaspera, ele diz.
Ela olha impassível.
Diz: Eu?
Poderia parecer irônica, mas se percebe uma alteração na voz, agora trêmula.
- Me diga o que ‘acontece conosco’? Ele diz alterado.
Ela cai num riso histérico. O homem da mesa ao lado olha e sorri cúmplice.
Ele enrubesce. Olha para ela quase engasgando.
- Pare com esta cena ridícula. Vamos sair daqui.
Levanta-se e a segura pelo braço.
Ela para de rir, faz um gesto para se desvencilhar da mão firme dele.
Sai na frente, enquanto ele paga a conta no balcão.
Quando ele sai olha em todas as direções.
Ela sumiu.

Vingativa

Vingativa


A mão fria dele cobriu a minha. Procuro sempre escondê-las- sempre desejei outras, mais bonitas- dedos longos.
Distraída, enquanto lhe contava da viagem, deixei-as sobre a mesa.
Ele me interrompendo perguntou, ar curioso:
- E a revista, você contínua escrevendo e tentando?
- Nunca mais a comprei, respondo.
Ele, que sentara à minha frente, curva-se sobre a mesa sorrindo e me toca dizendo:
- Descobri que é vingativa.
Recolhi a mão num gesto rápido e confirmei- olhos nos olhos.
- Cuidado comigo.

Ele agora acredita.

As quatro estações

Outono



Chovia muito, chuva fina e vento. Ao sair da vila, uma rajada quase a faz voltar.

Domingo é dia de ler jornal - o pai a ensinou. Mesmo velhinho, andava com um jornal debaixo do braço. Pensava nele, quando se chocou com um homem que saía da banca.

- Perdón, ele disse num largo sorriso.

Comprou o jornal apressada e buscou com o olhar o homem na praça. Havia sumido.

Algumas semanas depois, perguntou ao jornaleiro:

- Aquele homem estrangeiro, o senhor conhece?...

- Ah, o espanhol? Está viajando.

Não teve coragem de perguntar mais.

Passou a olhar as pessoas na rua.





Inverno



É hora da Ave Maria, o sino da igreja ecoa no peito, dói.

Ardem as costas, desde a manhã naquela cadeira.

No banho, alisa a tez macia, sente prazer.

Na sala escura, alonga a coluna no tapete.

Os pássaros se aquietaram. Entram ruídos dos vizinhos.

Uma angústia a invade, não há nada a fazer, resta- lhe a espera. Quer apenas chorar.

Ao sentir fome, levanta-se: é preciso comprar pão. Sai sem disfarçar os olhos inchados. Caminha, passos lentos, até a esquina. Ao entrar, vê o estrangeiro no balcão. Aproxima-se, quer vê-lo de perto, senti-lo. Quando ele sai, dirige-se à porta, deseja seguir seus passos rápidos, mas para, e o vê sumir na noite.

Agora sabe que ele voltou.





Primavera



Acordou, abriu as janelas, o sol batia no assoalho brilhante. Deitou no chão fresco e foi se despindo até ficar nua.

Levantou quando o sol - num feixe vibrante - a cortava ao meio. Em vez de colocar o vestido desbotado, escolheu outro - de uma das freguesas. O mais bonito: de seda preta, com decote e fenda do lado esquerdo da saia. Calçou o par de sandálias de saltos altos, sujas de mofo. Passou batom, coloriu as faces desbotadas.

Olhou-se no espelho e tentou dançar sozinha.





Verão



Aos domingos, na praia, catava pedrinhas. Preferia as transparentes.

Naquele dia, um homem se aproximou e lhe deu uma pedra escura. Gostou do rosto.

Seguiram pela areia lambida. Despediram- se com um “até domingo”. Ela sentiu- se diferente. Há muito não falava com homens.

Esperou ansiosa o fim de semana. Da calçada, viu o homem à beira- mar. Foi em sua direção, vacilante. Seguiram caminhando e pegando as pedras. Falavam pouco, ela desacostumada, ele só dizia o essencial.

No terceiro domingo, ele entrou em sua casa. Ela sabia o que viria.

Amaram-se no chão da sala.
Enquanto ele se vestia, pegou um copo de conhaque, colocou as mais belas pedrinhas dentro. Entregou- lhe. Ele não agradeceu, apenas a fitou com olhos surpresos.

Ao se despedirem, ele disse: “Até mais”. Sentiu-se estranha. Intuiu algo. Mas, e se ele voltasse à noite?

Nada sabia dele, nem o nome.

No domingo seguinte, esperou-o até a maresia envolvê-la e sentir frio.

Não se importa mais com as pedras, às vezes curva-se, pega uma, a observa na mão, então a devolve para o mar.

Talvez no próximo verão...
Fragmentos

Na janela

Menina paralisada, atrás do vidro, sofria.
Agora, abro o vidro. Jogo-me alada .


A palavra

“Coisa de prostituta! Faz engravidar!”. Ressoa nela a voz aguda da mãe.
Aos sete anos, mal entendia a fúria da mãe. Sentada de castigo na mesinha de cabeceira- pernas soltas no ar- chorava. Pouco depois seguiram para outra cidade.
Não virou puta. Do ventre, antes seco, pariu um dia um filho bastardo, num aborteiro. Sentiu alívio.


Confissão

Menina, uniforme azul e branco, sapatos apertados de verniz, atravessava a praça. A freira puxava a fila indiana de meninas silenciosas - olhos no chão.
“Eu pecador me confesso, eu pecador me confesso...”, ecoava em sua mente. Segurando o riso, contava os passos olhando a perna torta da menina da frente.
- Padre, quero me confessar.
- Quais os seus pecados, minha filha?
- Tive maus pensamentos.
Urgia rezar mais.


O pai

Quando o pai mandou, aos gritos, que se vestissem e pegassem as roupas todas, ela não entendeu o que acontecia.
Caminharam em silêncio até o ônibus. A mãe chorava baixinho, cabeça baixa, mãos ocupadas por sacolas cheias.
Menina ainda, segurou firme a mão do irmão.
Desceram da condução com o pai quase os empurrando.
Na porta, o avô disse:
- Te entreguei um, você volta e são três. Fico com minha filha, você leva as crianças.
O pai responde:
- Se não os quer, então os mate.
É a última lembrança que tem do pai.


Embaçado

No banheiro embaçado minha mãe me banhou. Esfregava meu corpo franzino com força. Chorava sem parar. "Lave bem aí embaixo, senão fica com mau cheiro", disse me entregando uma bucha. Esfreguei até doer. Chorei sob a água até ela me gritar: Saia dai, menina! Chega!

A primeira vez que fui para a cama com um homem, diante da minha dor, ele disse: "Precisa ir a um médico, está machucada, não é normal".
Em casa, tomei coragem e me olhei com um espelho. Desde então gosto de me tocar.
Minha mãe me odiaria se me visse com um homem. Gosto de homens, deixo que me conduzam. Fecho os olhos e deixo que me amem.


No magazine

Fica encantada ao se ver no espelho com o vestido da loja.
Dança até cansar.
Com uma tesoura faz pequenos cortes nas roupas penduradas.
Ao bater a porta, sabia que não haveria retorno.


O jantar

Dormia quando ele chegou de madrugada. Da porta, disse: Anda, tenho fome. Sonada, levantou. Encheu a panela com água, colocou no fogão e voltou a cochilar enquanto fervia.
Ele a viu de bruços na mesa, pegou a lata de óleo e a despejou sobre sua cabeça.
- Sua vaca, levante!
Ela obedeceu em silêncio. Chorando baixinho entrou no chuveiro quente. Lembrou da mãe. Chorou, mais ainda. Levou tempo para tirar o óleo, o ódio e o medo.
Quando saiu, ele já havia comido. Estava à sua espera, pronto.
Acordou às quatro, ele ressonava de boca aberta. “Desgraçado”.
Antes das cinco estava pronta. Mochila segurando a porta da rua entreaberta. Faca na mão.
Ela saiu de óculos escuros - amanhecia.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Madrugada

Foto daqui



Madrugada


O cão ladra à noite. Assustada olha o jardim. Nada. Olha o quintal. Nada. O cão late insistente.
Tranca a porta do quarto. Dorme encolhida.

Pela luz solar sabia que passava das nove. Procurou não demorar para descer. Abriu a porta da frente com cuidado. Nada mudara. Caminhou à direita no estreito corredor. Ali jazia um homem- a camisa xadrez aberta no peito, a calça rota mostrava um ventre inchado. Não sabe por que não teve medo. Passou ao lado do corpo com cuidado para não esbarrar no braço frouxo. Percebeu que respirava. Sentiu alívio.

Antes de ligar para a emergência, vestiu uma roupa de sair, passou batom e tomou o café da manhã na sala.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mini conto: Quase amargo

Quase amargo


Viu os olhos dele a fulminarem quando disse:
Não mudo uma vírgula na minha vida por você.
Lança afiada no coração. Por uns segundos, pensou como viveria sem
ele.
Mas o amor dela é tanto que supre o dele. "Homem maduro, coração
duro.
Foi até a cozinha. Fez o café como ele gosta- quase amargo. Ao oferecer a xícara seus olhos eram frios. Deixou que tomasse o café, aproximou-se. Beijou seus lábios até adocicarem e ele a tomar nos braços. Ela o amaria mais densa que nunca- teve os segundos de luto - beijaria aquele corpo religiosamente até ele lhe oferecer o gozo em jorros e entrega.
Lavou o sexo com força.
Depois, na praia, se jogou na areia molhada. Pensava: se o mar me quiser, que leve.
A maré rasa não a carregou.
Levantou quando ouviu vozes de crianças em volta.
Foi seu ultimo carnaval.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Mini conto: O analista triste

E havia o vento num sopro de morte, atormentando. Desde o amanhecer o vento invadindo todos os espaços, uivando como cão.
Encolhe-se. Na porta, o gato mia- quer sair. Logo o interfone tocará. Pensa no cliente a caminho para que o ouça. Sabe que ele o tirará dali e estará feliz no fim do dia.



Ou 


O vento vinha num sopro de morte, atormentando. Desde o amanhecer o vento invadindo todos os espaços, uivando.
Encolhe-se. Na porta, o gato mia- quer sair. Logo o interfone tocará.  Pensa no cliente a caminho para que o ouça. Urge levantar-se, escovar dentes, tomar café.
Sabe que no fim do dia estará feliz..

domingo, 17 de outubro de 2010

Mini conto: Ruídos internos


Magritte aqui



Ruídos internos


Ela diz para si num murmúrio:
"Estou exausta, quando terei trégua?"
Enxuga as lágrimas na manga, enquanto torce mais uma camisa.
Lá fora as crianças riem, correm pela grama. Um deles a vê na janela e grita: Mãe...
Chora, mais ainda, ao ver o menino sorrindo, esperando seu aceno.
Larga a roupa no tanque e volta para o fogão, enxuga as mãos frias na roupa. Abre a tampa quente da panela sem proteção. Deixa-se queimar. Uma dor real a traria de volta, pensa. O filho parece tão longe dela, tão improvável como quando dizia: "Jamais terei filhos, quero liberdade".
Desliga o fogo antes que o feijão queime, logo o menino abrirá a porta aos gritos:
- Mãe, estou com fome, faça o prato pra mim.

Ela sorrirá beijando a bochecha suada e com cheiro de moleque.

Mini conto - arquivo- Desconserto

Desconserto


Não contenho o sorriso, é inevitável. Não nego o prazer em vê-la, assim, perdida, não diria desesperada, apenas perdida.
Ela tão cheia de certezas...
Vejo aqueles olhos nos meus, esfomeados, querendo me decifrar, percebo seu desconserto.
Ela sabe, é meu o próximo passo. Espera.
Eu a farei sorrir, não sobrevivo sem este sorriso, ela não sabe, apenas intui.

domingo, 3 de outubro de 2010

Miniconto: Ata-me II - revisto



Semidesperta olha a janela sem cortinas. Encolhe-se fugindo do sol que aquece a cama. Cobre os olhos com o lençol. Ouve ruídos.
A vida é laço esgarçado- desfaz-se.
Desatar nós, atar.

Semidesperta adivinha a duna dourada, as vacas pastando. Encolhe-se, mais ainda, fugindo do sol que toma cama. Cerra os olhos.
Um cheiro familiar. Alguém faz café. O estômago dói. O corpo tem fome. Ela não.

Desatar nós, atar.

Como se a mão que os aperta é frouxa?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Miniconto: A mulher que não dançava



Chamou-a para dançar, não quis.
Acordou de madrugada com ele beijando-a. Cheirava a bebida e cigarros. Queria continuar dormindo. As mãos ágeis dele subiam pelas suas pernas abrindo caminho. Beijou seu ventre enquanto as mãos teciam carinhos íntimos.
Ela não queria acordar, desejava acabar logo com aquilo. Sabia o quanto ele se orgulhava com seu gozo. Ele a cobriu com seu corpo forte, penetrando o sexo morno. Ela receptiva, facilitava os movimentos, colaborava. Fingiu gozar. Queria voltar a dormir.
Ele fingia estar tudo bem, ela fingia gostar. Logo voltou a dormir.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Miniconto: O homem menos estranho

O homem menos estranho


Pega o primeiro ônibus que para no ponto, o vento corta seus lábios. Há dias não vê a rua, não quer.

O ônibus está abafado, gosta daquele cheiro, tanto tempo não vê gente. Havia lugares vazios nos últimos bancos, escolhe o que tem o homem menos estranho e senta perna encostada na perna do homem, nem viu a cara, não importa. A perna revestida de seda dá a sensação de segunda pele, desliza, sente prazer em roçar disfarçadamente no estranho. Fecha os olhos, inspira o ar. Final do dia, cada cheiro uma história, de olhos fechados adivinha que o homem ao lado tem mulher e filhos à espera.

Faz isto sempre, pega um ônibus qualquer. Escolhe os dias cinzentos, aqueles que intui não suportará ficar tão só. Estar colada ao homem a esquenta, ele não se afasta, pressiona mais a coxa - coxa apertada contra coxa. Finge não sentir a mão que sobe pela sua perna, deixa que o homem a toque, se arrepia, não consegue se mexer, é preciso dizer não. Abre os olhos, ele se aproxima e a beija violentamente, morde, machuca. Ela não sente prazer ou medo, apenas vida.

sábado, 21 de agosto de 2010

Mini conto: A viagem II



A viagem



Entrou no ônibus batendo as bolsas nas poltronas. Seu lugar estava ocupado. Uma mulher pediu que trocasse com ela- queria ficar ao lado do marido. Concordou, e voltou buscando seu assento. Um homem, de cabelo gris, a olhou curioso, levantou-se e a ajudou a acomodar-se. Era seu vizinho de banco.

Ela abriu o jornal e lhe ofereceu. Passaram a comentar as notícias. Pode, então, ver o rosto dele- olhos pequenos e penetrantes, nariz reto, boca bem desenhada, um sorriso maroto. Usava um pulôver de gola alta. Fazia frio. Sentiu-se perturbada. Olhou a janela, passavam por uma pequena serra.

Pensou que o destino o enviara e que poderia se enamorar por aquele rosto. Com voz grave, mais baixa, comentou que curvas a lembravam as Serras da infância, o pai dirigindo o Chevrolet preto a caminho do mar.

Um longo silêncio e pode sentir o calor do corpo dele. Retraiu-se.

Perguntou como foi ele, menino. Tinha recordações semelhantes, apenas as cidades eram outras. Os pais militares, as mães católicas, os colégios rígidos.

Desejou saber mais- se ele era casado. Não ousou- adivinhou.

Ela lhe contou do ex marido, dos filhos, das idas e vindas para trabalhar. Ele a ouvia atento, os olhos a perscrutarem seu rosto. Disse: Você tem um belo rosto de mulher madura, e fica muito bem de preto. Ela disse que aquela era sua cor preferida.

Em silêncio pensou na confusão ao se vestir, na sorte de ter usado aquela blusa..

O ônibus chegou ao seu destino, trocaram telefones.

Há um mês ela aguarda os olhos dele. Conforta-se ouvindo a voz doce a dizer-lhe que é bela. Talvez numa outra viagem...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Micros Twitter

Mais micros postados no Twitter com o #ETC_BIENAL


Exausta, a cabeça confusa, ela resiste diante da tela. A cama esticada, a lua na moldura... Foge.



De manhã o vento aflige- é louca varrida. À tarde, sonada. Ao entardecer, acalma. À noite, é paz, monja. Nada a desejar.



A voz dele a acordou. Levantou, ajeitou o cabelo. O ruído da janela trouxe o seu olhar doce.Nada disseram. Não precisava.Sabia que teriam um bom dia.



Via-a com outro na arquibancada. Subiu para o trapézio despedindo-se solene. Apenas ela saberia que o salto mortal foi por ela.



Despertou, pensou nele. Dói o estômago- fome. Queria não levantar. Queria que o corpo não o desejasse. Ou não desejasse, simplesmente.



Ela diz: Casa comigo? Ele responde: “É preciso pensar muito”. Surpresa, ela voltou a sonhar com um amor.



Ela diz: Vamos tomar um café qualquer dia? Sim, este fim de semana. Ela aguarda. Nunca mais se falaram. O telefone permanece mudo.



O olhar dele perpassa estranhos, como um feixe de luz, a desperta.



Semi- desperta o sol aquece suas costas, vira-se, deseja-o em seu ventre. Ele se esconde.



O sol invade sua cama. Abre-se desejando amor. Uma nuvem vem e o encobre.



Meus olhos do asfalto alcançaram o mar, também cinza. À frente, uma mancha vermelha e uma moto no chão. Foi sua última viagem.



Falava sem parar, indignada. Ele fixa os olhos em sua boca, sem ouvi-la. Num gesto rápido, coloca a mão entre suas coxas. Ela se cala.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Concurso de Microcontos





Há um concurso de micros no Twitter,
é preciso colocar
#ETC_BIENAL
no final.



Aqui estão alguns:



Penso: basta! O carteiro entrega um pacote. Dentro dizia: "lembrei de você". O livro: “Paixão-oãxiaP”. Devoro - o livro, claro.


Ouço passos, não me volto. Espero as mãos cobrirem meus seios, a respiração aquecer minha nuca fria. Aos poucos me viro - ávida.



Penso há dias em esquecê-lo. Intrigada entro na casa iluminada. Ele sorrindo, taça na mão: “Estou à sua espera, querida”. Sempre surpreende.



Abriu a janela, deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Pensou nele. Esqueceu-se.


Semi-desperta, deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Tirou a roupa, lembrou dele. Não gemeu, chorou.


Deitou na nesga de sol no assoalho frio. Um feixe a cortou ao meio. Pensou nele. Abriu-se. Deixou que o sol a tomasse - plena.



Rubro e úmido, meu sexo aguarda o teu buscando outros sexos.



Quando a campainha tocou, enrolou-se na toalha. Molhou o chão frio. No olho mágico, ele ria abraçado à outra. Não abriu.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Teu corpo, pronto e belo, me faz desejar montar até a exaustão.



A mão na coxa me puxa, rude. Não há como dizer não.



"Eu te amo", diz. Teus olhos negam. Minha mão constrita te afasta.



Escuto passos, não me volto. Tuas mãos, taças, aquecem meus seios.



Te encontro pronto, teus pés em oferenda. Lírios brancos. (baseado no livro de Raduan Nassar "Um copo de cólera").



Arranhado diz, rindo: “foi você". Amanhã não rirá lanhado por mim.



Não vi quando ele saiu sem se despedir. A lua lá fora brinca entre nuvens de chuva fina. Aqui dentro, silencio sem dor.



Vão-se os amores, em mim fica a calidez de suas mãos no meu corpo, antes frio e seco.



Vou deitar, não há rio no meu leito.



Quis fazer das pernas tesouras- cortar- tua força venceu.



Dói áspero teu sexo, me rasga.Finjo prazer para te esfaquear de costas.



Cerrei os olhos, úmida e quente, deixei que fosse até minh'alma.



Despertei suja de sêmen, corri a mão no lençol. Frio. Calafrio



Escondi a faca de cortar carne, esta seria sua última trepada.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Vi o pânico nos olhos, tomei seu corpo com mais desejo. Fundo.



Deu um grito gutural, da boca saia uma espuma branca. Era tarde.



Quando a onda me engoliu, pedi perdão, e não socorro.



O sangue espirrou, vi, desta vez, os seus olhos suplicarem.



Um sonho: voar. Um dia, subiu, pernas pesadas, até a cobertura. Partiu alada. Vestia camisola, fazia frio e era meio dia.



Tomava banho quando a campainha tocou. Enrolou-se na toalha. Molhou o chão frio. No olho mágico, ele ria abraçado à outra. Não abriu.



Sentiu a mão dele no joelho. Não se moveu. Vagou os olhos. Deixou que subisse mais. Ai fechou as pernas com força. Ele corou. 







No portão, o avô disse a seu pai: Você levou uma, trouxe três, leve as crianças. Mate-as, disse o pai. Última vez que o viu.




sexta-feira, 30 de julho de 2010

Miniconto: Café da manhã II


O sol na cama a desperta. Não há vento. O silêncio é cortado pelo grito agudo das gaivotas. Olha a janela. A duna em ouro, o voo.
Na mesa o café da manhã frugal. Um zumbido a intriga. Percorre como o olhar o espaço. Nada. Cala o pensamento. Desliga o gás do fogão que ardia. Gosta do silêncio. O jornal sobre a mesa, o vazio.
O dia a aquece devagar. Sente prazer. Soube, ali, que poderá viver sem ele.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Microcontos: Twitter- Julho 2010

Penso: Basta! Chego em casa encontro um pacote. Dentro dizia: Lembrei de você. Título do livro: “Paixão-oãxiaP”. Devoro-o- o livro, claro.

Ouço passos, não me volto. Espero as mãos cobrirem meus seios, a respiração aquecer minha nuca fria. Aos poucos me viro- ávida.


Penso há dias em esquecê-lo. Intrigada entro na casa iluminada. Ele sorrindo, taça na mão: “Estou à sua espera, querida”. Sempre surpreende.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mini conto- arquivo: Um amor sem face




Esta semana não o entrou na internet, é a primeira vez que desaparece. Fica horas em frente da tela e nada.
Se correspondem há três anos. Logo notou que ele sabia escrever, gostava das palavras que usava. Acabaram amigos virtuais, amantes clandestinos.
Não sabe quase nada dele, apenas que é engenheiro, vive com dois filhos. Nunca falou da mulher, nem ela perguntou. Uma vez, ela disse: “Irei até ai estes dias, tenho que fazer uma compra”. Ele não manifestou desejo de vê-la, ela não disse nada.
Nunca se viram nem em foto. Algumas vezes teclam uns minutos e ele diz: "Preciso te ouvir hoje". Só ele telefona.
Está se mudando para perto dele, desta vez ele disse: "Quem sabe nos encontramos?". Ela tem calafrios só de pensar num encontro. Talvez fiquem assim, se amando de longe, um amor sem face.
Todas as semanas ela se arruma como se fosse encontrá-lo, não sai de casa, apenas o espera em frente à tela e pensa:
"Quem sabe ele não virá neste fim de semana?"
Espera que ele adivinhe o seu desejo.

Mini conto- arquivo: Um amor sem face




Esta semana não o entrou na internet, é a primeira vez que desaparece. Fica horas em frente da tela e nada.
Se correspondem há três anos. Logo notou que ele sabia escrever, gostava das palavras que usava. Acabaram amigos virtuais, amantes clandestinos.
Não sabe quase nada dele, apenas que é engenheiro, vive com dois filhos. Nunca falou da mulher, nem ela perguntou. Uma vez, ela disse: “Irei até ai estes dias, tenho que fazer uma compra”. Ele não manifestou desejo de vê-la, ela não disse nada.
Nunca se viram nem em foto. Algumas vezes teclam uns minutos e ele diz: "Preciso te ouvir hoje". Só ele telefona.
Está se mudando para perto dele, desta vez ele disse: "Quem sabe nos encontramos?". Ela tem calafrios só de pensar num encontro. Talvez fiquem assim, se amando de longe, um amor sem face.
Todas as semanas ela se arruma como se fosse encontrá-lo, não sai de casa, apenas o espera em frente à tela e pensa:
"Quem sabe ele não virá neste fim de semana?"
Espera que ele adivinhe o seu desejo.

sábado, 10 de julho de 2010

Mini conto- Sábado à noite

Ele riu quando ela disse para o garçom: Para mim, um Martini com gelo e cereja. Só bebe whisky caubói. Sente prazer ao frisar: sem gelo, por favor. No caminho para casa, ela é seu apoio - as pernas trôpegas, a fala exaltada. Na cama, ela se entrega sem desejo, quer dormir antes do amanhecer, que se anuncia. Exausto, ele cai para o lado. O quarto rescende a álcool.

Ela se levanta, vai ao banheiro, come uma maçã e deita- se de costas.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Microconto: Olhos de amêndoas doces


A voz dele a acordou. Levantou, ajeitou o cabelo.
O ruído da janela trouxe o seu olhar doce.
Não disseram nada. Não precisava.
Sabia que teriam um bom dia.

sábado, 3 de julho de 2010

Miniconto- arquivo: Pele de seda






Pele de seda



A pele macia no banho a fez desejar que as mãos dele a tocassem. "Pele de seda", ele dizia. Depois se amavam ainda molhados até o quarto escurecer. Então, ele se levantava, tomava banho. Ela, na cama, à espera do beijo de despedida, enrolava-se no lençol para levá-lo até a porta.
Voltava para a cama, mal comia.
Permanecia assim dias- em estado de graça. Depois vinha a ausência e ia murchando.
Não se queixava, sabia de cor as regras. Desejava apenas amá-lo mais uma vez, quem sabe mais outra, até desistir de viver.

Seria fácil desistir.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Mini conto- arquivo: Insensatez





Insensatez



"Venha, estou te esperando. Desça a Montenegro, entre na terceira, à
direita. É um prédio antigo e pequeno no meio da quadra", disse ele.
Eu fui, como sempre. Obedeço aos homens.
Tinha pressa. As mãos suavam ao descer do ônibus no ponto indicado.
Lembro de um sonho em que deslizo pela Rua Prudente de Moraes deserta,
desejando alar ao seu encontro.
Na esquina, um bar, mais à frente, duas vilas. Adoraria morar no bucolismo de
um espaço silencioso, com flores nos jardins. Com este olhar, me deparei com
o prédio dele.
Anoitecia.
Bati à porta, alguém tocava violão, abafando meus toques. Repeti as batidas
com mais força. O som do violão cessou. Ruídos de cadeiras e vozes. Ele abre
a porta no momento em que eu inspirei fundo, aflita, pensava o que fazer se
não me ouvissem.
Havia homens espalhados pela sala, alguns no chão em almofadas, eu era a
única mulher. Um deles me olhou com certo desdém, por pouco não me sinto
intrusa, apenas porque os olhos dele me observavam e sorriam.
Minutos depois ficamos a sós entre copos e cigarros espalhados sobre o
piano, chão, janela. A pequena sala, que dava para a frente do prédio,
rescendia a cigarros. Comecei a juntar copos e cinzeiros. "Deixe, depois eu
limpo", ele disse. "Limpamos agora, é melhor", respondi.
Eu precisava arranjar coisas para fazer. Não queria que ele percebesse
minhas mãos frias e úmidas. Queria mais tempo para me acostumar à idéia de
estar ali.
Na pia cheia de copos, garrafas vazias, um gato cinza de olhos azuis muito
claros tentava subir.
Ele veio por trás e beijou minha nuca. Me desvencilhei caminhando em direção
à janela. "Veja o Cristo, dá para vê-lo, não sei até quando..."
Eu senti seu hálito de álcool e cigarro. Aquele cheiro me excitava.
Segurou meu rosto entre as mãos em taça, beijou meus lábios sorvendo meus
mistérios. De olhos fechados, eu adivinhava o rosto que amei no primeiro
encontro. Abri os olhos para conferir. Seus braços me envolviam como asas.
Aos poucos fomos nos afastando da janela. Debruçando-se sobre mim, deitou-me
no sofá, abrindo, com dedos ágeis, caminho para a minha entrega plena.
Um dia ele viajou, precisava ir a trabalho, disse. Não voltou. Eu chorava
desolada. Enviei uma carta, por um amigo comum, onde dizia:
"Desde sua partida minha vida é só tristeza e melancolia. Não sei viver
assim. Volte".

Meses depois recebo um telefonema. Era Vinícius, dizia que tinha algo para
mim. Fui até lá e ele me cantou, jamais esquecerei, esta música, como um
recado do Tom:
"Chega de saudade
... Não quero mais esse negócio de você longe de mim,
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim"...

Ele voltou, anos depois. Soube pelos jornais.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Miniconto: Pênalti- arquivo




Pênalti*


Quando Maria chegou, o bar já estava cheio, não havia mais lugares, todas as mesas ocupadas. Excitadas, as pessoas falavam alto, gritavam pedindo mais chope. Os garçons, suados, entre as mesas, misturavam-se ao bando que buscava uma cadeira extra. Cumprimentou o dono:
-"E aí, seu Antônio, arranja uma cadeira para mim?" Ele virou-se e trouxe um banquinho de trás do balcão.
Ela sentou num canto de onde via a TV de longe, não fazia questão de acompanhar o jogo, "ficar só em dia de jogo é barra", pensava. Os patrões viajaram para a praia, nem ver a TV da sala podia, não sabia ligar.
O jogo começou, fez-se silêncio, de vez em quando uns gritos de torcida. Lá fora, a rua deserta, não entrava ninguém. A vida havia parado, só o jogo importava, menos para ela, que gostava do calor, do cheiro de gente, fazia tempo não sentia ninguém por perto.
1x1 e veio o intervalo. As pessoas em direção ao banheiro esbarravam nela. Um homem tropeçou no seu pé, abriu um sorriso e disse:
- "E ai? Torcendo muito?"
Ela sorriu, tímida, ele a olhou de alto a baixo, desnudando-a. Sentiu que corou. Ele deve ter percebido e gostado, ficou por ali ao sair do banheiro.
Devia vir da praia, tinha a pele curtida, pernas num short curto.
Quando o jogo recomeçou, ele encostado no balcão, muito perto, a olhava insistentemente. Ela já não via mais nada, apenas o homem se chegando. Ele sentou ao seu lado, encostava a coxa na perna dela. Ela levantou-se, pensou na sua magreza, no corpo que ninguém olha, pediu mais chope no balcão, voltou a sentar, encolhida no banco.
O homem não tirava o olho dela, já não via o jogo.
Num certo momento todos gritaram:
- "Tem que ser pênalti, é pênalti", o homem a puxou para o banheiro, ela não resistiu, sentiu o cheiro forte, acre, enquanto ele a levantava, empurrava contra a parede. Fechou a sua boca num beijo de língua que lhe tirou o fôlego, enquanto levantava sua saia e arrancava com violência a calcinha.
Ela esqueceu o cheiro. Gozou gemendo num grito abafado pelo beijo do desconhecido.

*Este conto está no livro "A cabeça do futebol". Pode ser encontrado na Livraria Cultura.

Miniconto- Dia de jogo do Flamengo




Pediu:
- Por favor, pare de arrastar este chinelo, veja o jogo sentado!
Ele fingiu não ouvir, continuou andando de um lado para o outro falando sozinho, xingando os jogadores do time adversário.
Ela, em desespero, ajoelhou-se e arrancou os chinelos daquele pé odiado. Jogou-os pela janela, agarrou seus próprios cabelos, batendo a cabeça na parede.
Ele fingiu não ver.
Ela saiu da sala em direção ao quarto. Abriu as persianas velhas com dificuldade.
Ele ouviu o estrondo do corpo no chão, levou um susto, foi até a janela.
"A esta hora e ela ainda veste roupa de dormir"- pensou.

Miniconto- arquivo- Dia de jogo I


Dia de jogo I



Pediu: “Por favor, pare de arrastar este chinelo, veja o jogo sentado!”
Ele fingiu não ouvir.
Ela, em desespero, se ajoelhou e arrancou violentamente os chinelos daqueles pés sujos. Jogou-os pela janela. Agarrou seus próprios cabelos, batendo a cabeça na parede.
Ele fingiu não ver.
Ela tirou suas próprias roupas se lanhando. Saiu nua pelas ruas.
Ele deu graças a Deus.

Mini conto 03- arquivo: O homem menos estranho






O homem menos estranho


Pega o primeiro ônibus que pára no ponto, o vento corta seus lábios. Há dias não vê a rua, não quer.

O ônibus está abafado, mas gosta daquele cheiro de gente, tanto tempo não vê gente. Havia lugares vazios nos últimos bancos, escolhe o que tem o homem menos estranho e senta, perna encostada na perna do homem, nem viu a cara, não importa. A perna revestida de seda dá sensação de segunda pele, desliza, sente prazer em roçar disfarçadamente no estranho. Fecha os olhos, inspira o ar misto de cheiros. Final do dia, cada cheiro uma história, de olhos fechados adivinha que o homem ao lado tem mulher e filhos a espera.

Faz isto sempre, pega um ônibus qualquer, escolhe os dias cinzentos, aqueles que intui não suportará ficar tão só. Estar colada ao homem a esquenta, ele não se afasta, mas pressiona mais a coxa, coxa apertada contra coxa. Finge não sentir a mão que sobe pela sua perna, deixa que o homem a toque, se arrepia, não consegue se mexer, é preciso dizer não, abre os olhos, ele se aproxima e a beija violentamente, morde, machuca, ela não sente prazer, nem medo, apenas vida.


Em italiano:

L’uomo meno strano


Lei prende il primo bus che sosta in quella fermata, il vento le taglia le labbra. Da giorni non guarda la strada, non vuole.
Il bus è affollato ma le piace l’odore della gente, da tanto non vede nessuno. Ce n’erano dei posti vuoti in fondo, ma sceglie quello dove si trova l’uomo meno strano e si siede, la gamba sfiora quella dell’uomo, non lo guarda nemmeno in faccia, non importa.
La gamba vestita di seta le dà la sensazione di una seconda pelle, scivola, sente piacere nel toccare leggermente la gamba di quello strano, fingendo di sfiorarlo per caso.
Chiude gli occhi, ispira l’aria mescolata di odori.
Finale di giornata, ogni odore una storia, con gli occhi ancora chiusi, indovina che l’uomo al suo fianco ha moglie e figli che l’aspettano.
Fa sempre così, prende un autobus qualsiasi, sceglie le giornate più grigie, quelli in cui intuisce che non sopporterà stare da sola. Così vicina a quell’uomo si sente riscaldata, lui non si ritira anzi, fa pressione nella coscia, coscia aperta contro coscia. Finge di non sentire la mano che sale per la sua gamba, lascia che l’uomo la tocchi, rabbrividisce, non riesce muoversi, bisognerebbe dire di no, apre gli occhi, lui si avvicina e la bacia con violenza, morde, schiaccia, lei non sente piacere, né paura, si sente soltanto viva.


Este conto foi seleccionado num concurso de minicontos no site italiano www.domist.net e gentilmente traduzido por Eliude Santana, não está mais online- foi em 2005.

Miniconto V: No elevador





No elevador


Arranca as roupas em fúria- sai pelo corredor ainda adormecido.
O vigia a encontra caída no elevador. Ela dorme.



Foto by Björn Oldsen

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Mini conto- arquivo- Suíte número um







Suíte número I

Ficou encantada ao se ver no espelho com o vestido da patroa.
Dançou pela suíte.
Com a tesoura fez pequenos cortes nas roupas penduradas.

Ao bater a porta sabia que não haveria retorno.

Miniconto- arquivo: A lua se esconde




A lua se esconde


Descia a rampa da garagem do prédio dele, vinha atenta naquele labirinto estreito. Uma angústia a invadiu. Por que o desejo de chorar? Cheira o braço, ainda o perfume dele. Por que a dor?
"Eu te amo", disse. Ele a olhou e beijou seus lábios com ternura. O corpo dele ainda no dela. Precisava dizer: "Eu te amo". Agora, as palavras ressoam, doem.
Ele não disse que a amava, nunca disse. Prometeu amor à outra, ela sabe. Então, por que sofre?

Na rua respira fundo.Busca a lua entre os prédios altos e frios. A lua se esconde.
Senta no primeiro bar que encontra.
“Dose dupla, garçom".

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Mini conto- arquivo: Santinha

Acorda com o choro do filho da vizinha, quer dormir mais. Não suporta o choro que vem, invade tudo, tapa os ouvidos com o lençol. Ainda bem que tem o ventre seco, Deus sabe o que faz, dizia a mãe, vai ver tinha razão, a velha.

Lembra do sonho do beijo. Santinha, ele disse na carta de ontem- envia mensagens de santos- fazem mal. E se não passar adiante será condenada? Ou já é condenada pelo amor proibido?
Ele a beijava com pressa, sem envolvê-la com os braços. Beijo frio.

Diz na carta de ontem:

Tenho saudades de ti, Santinha.
Beijo na boca.
Do teu amor,
José

Não estranha, é mais um que se vai, já sabe.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Miniconto- arquivo- O telefonema


Michal Zaborowski



O telefonema


O telefone soa e quebra o silêncio de dias.
Choveu sem parar, chuva fina com vento frio. Nem jornal foi comprar, ficou só com a TV e o cachorro. Quanto mais fica só, mais quer ficar.
"Quem seria no telefone?" pensou. Quase não atendeu.
- João, é João. Não me reconhece mais?
Levou uns segundos para lembrar da voz.
Soube sobre sua mãe, quis saber como aconteceu. Ela contou, mas não se comoveu como sempre.
- Sabe que gosto de você...
- Mas casou com outras, não comigo.
- Você não me quis...
Mentira, ela pensou:
- Você estava envolvido com outra mulher.
- Nem me lembre, vivi um inferno.
(...)
- Você está casado?
- Vivo com alguém.
- Com aquela com quem te vi na última vez?
- Não.
Quando desligou ficou no sofá uns minutos. Ele esteve na cidade e não veio vê-la.
- Não deu tempo, foi só um dia, eu dependia de outros, ele repetiu, duas vezes.
Mentira, se desejasse, viria.
Talvez minta para si.
Desta vez não chorou.

domingo, 25 de abril de 2010

Mini conto do desafio do conto


A bela e o escritor


Ele, muito mais velho do que ela, encantou-se. Via elegância em todos os seus gestos. Casaram. O homem passava o dia a escrever, ela a ver revistas de moda. Ele lhe dizia: Deste livro, vais gostar. Deixando o objeto na mesinha ao seu lado. Antes de se voltar, beijava a nuca perfumada da mulher- sempre impecável. Depois leio, ela respondia.
O livro permanecia ali, intocável. Uma pilha se fazia. Os melhores livros para leitores jovens, ele pensava.
Um dia precisou sair. Ela disse: Vou aproveitar para ler hoje. Ficarei no seu escritório. Ele saiu saltitante. Finalmente ela entraria para o seu mundo.
Voltou na hora combinada, teriam um jantar. Ela estava no escritório. A luz acessa o conduziu animado. Bela, como sempre, com uma bomba na mão ela borrifava veneno na sua coleção predileta.


PS: Este continho é a resposta ao desafio do blog Com imagens com verso. Há uma imagem, você faz um conto, uma frase... Fiz este- foi divertido,porque a foto... ulalá.

sábado, 17 de abril de 2010

Mini conto X- Tudo lhe escapa


Tudo lhe escapa

A mão adormecida a despertou. Olha a janela- amanhece. Nada a fazer tão cedo.
Tenta dormir de novo, a fome não deixa. Lembra dele. Poderia voltar a dormir e sonhar. Não, não quer sonhar. Levanta, abre a janela e deixa o sol incipiente tomar conta da cama. Vai se movendo, acompanhando o feixe de luz. Primeiro nas costas, depois nas pernas. Abre-se, facilitando a entrega, deixa que o sol a tome.
O pensamento fugidio escapa para coisas banais- o que há na geladeira, as compras a fazer...
O corpo esfria. O sol se foi.
Ela se levanta, dá água para os gatos, coloca a água para o café- tem fome.

Mini conto- arquivo- Enrosco






Enrosco


Sente a mão que toca seu colo, finge dormir. Ele vai deslizando, toca sua mama, o mamilo enrijece. Não dá para fingir sono, geme dengosa. Ele vem e a beija. Ela enrosca as pernas nas dele, prende-o com força, ele finge querer sair mordiscando sua nuca. Ela o solta num movimento brusco. Seguem, agora, num só compasso.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Mini conto - arquivo- As pedrinhas transparentes




As pedrinhas transparentes



Aos domingos, na praia, catava pedrinhas, escolhia as transparentes. Gosta de transparências.

Um dia um homem se abaixou e lhe ofereceu uma pedrinha. Seguiram juntos catando pedrinhas. Acompanhou-a até sua porta, despediu-se com um ‘até domingo’. Ela sentiu algo diferente. Há muito não tinha contato com homens.

Esperou ansiosa o domingo. Saiu antes da hora de sempre, da calçada viu o homem à beira mar. Foi em sua direção, tímida.
Ele sorriu e seguiram caminhando pela areia. Falavam pouco, ela desacostumada de falar, ele só dizia o essencial.

No terceiro domingo, ele entrou em sua casa. Ela havia preparado a casa, sabia o que ele viria.
Se amaram ali na sala, no chão sobre a colcha que cobria o sofá. Ela desejou aquele homem em sua vida.
Enquanto ele se vestia, pegou um copo de conhaque, que o ex- marido usava, colocou as mais belas pedrinhas dentro, sobre as pedrinhas um caramujo. Ele não disse obrigado, apenas olhou com olhos de surpresa.
Quando se despediram, ele disse: “Até mais”. Não sabia o que ele queria dizer, mas não perguntou. Intuiu algo. Sentiu-se estranha, talvez não devesse ter dado as pedrinhas. Mas, e se ele voltasse mais tarde? Era domingo, poderiam sair.
Nada sabia dele.

No domingo seguinte ele não estava na praia. Pensou tantas coisas: poderia estar viajando, doente, viria mais tarde... Ele não veio. Esperou até o sol se pôr e sentir frio.

Os domingos passaram a ser vazios, já não o buscava mais entre outros rostos.
Não se importa mais com as pedrinhas, às vezes vê uma que gosta muito, pega, olha na palma da mão, e a devolve para o mar.